segunda-feira, 1 de julho de 2013

O que estava no endereço antigo acabei unindo em uma única postagem!

Este Blog é lido de cima para baixo pois não deixa de ser uma história...

O REINO DA ITÁLIA
Os imigrantes que povoaram a serra gaúcha vieram da Itália, que em 1861 havia sido unificada politicamente e se tornara o Reino da Itália. Este Reino ocupava as terras daquela grande 'bota', que como se desprendendo do território da Europa Meridional mergulha nas águas do Mar Mediterrâneo. A Itália, até um pouco antes de 1861 era composta por diversos reinos, monarquias, ducados e república como eram os de Piemonte, Sardenha, Lombardia, Parma, Modena, Toscana, Trento, Sicilia e Veneza além dos Estados da Igreja. Essa unificação italiana - chamada de 'Risorgimento' - promovida pelo Camillo Benso, Conde di Cavour a partir do Piemeonte no Norte, e por dois Giuseppes, o Mazzini, e o outro, o Garibaldi, pelo Sul, a partir do reino das Duas Sicilias, foi uma unificação unicamente territorial. O primeiro rei foi Vitor Emanuel II, que era o rei do Piemonte.
Não 'dimenticare' que esse Garibaldi da Unificação é o mesmo Giuseppe Garibaldi que esteve no Sul 'peleando' com a gauchada na Guerra dos Farrapos, movimento das elites contra o Império do Brasil e que ocorreu em 1835-1845. Garibaldi aportou aqui fugindo de sua terra, e ficou até um pouco antes que o Duque de Caxias acabasse com a revolta dos gaúchos. Quando ele foi embora do Brasil levou consigo a bela Anita, catarinense de Laguna que ele conheceu quando a revolução da gauchada foi para o estado vizinho e lá implantou a efêmera 'República Juliana’.

CONSTRUINDO UM REINO
O Reino da Itália estava dividido em cinqüenta províncias, todas muito diferentes entre si e o poder central era quase absoluto e não permitia autonomia a elas.
As diferenças lingüísticas entre provinciais eram tão grandes que, veja só, em 1863 professores enviados à Sicília pelo governo central, foram confundidos com ingleses. Também nessa mesma década de 60, um influente político forjou um correto pensamento ao dizer que ‘fizemos a Itália; agora precisamos fazer os italianos’.
Nessa época, o Reino da Itália se mostrava com enormes contrastes, e prova disso é que o ‘Mezzogiorno’, a parte meridional do país e que absorve 50% de todo o orçamento, ainda tinha sua economia agrária calcada num sistema quase feudal, onde a terra, os meios de produção e o trabalhador eram de uso exclusivo de alguns privilegiados terra-tenentes.
Ao tempo em que a Itália estava constituindo seu Reino, o Mundo estava vivendo grandes transformações: nos EUA, o fim da escravatura veio com um preço muito elevado, com 600.000 mortos na Guerra da Secessão; em 1861 mais de 20 milhões de escravos russos conseguiram alforria; em 1864 foi criada a Internacional Socialista e Karl Marx deu uma esperança de liberdade aos proletários de todo o mundo; a Cruz Vermelha surgiu para se preocupar com os desvalidos e tornar menos cruéis os efeitos das guerras, e a Igreja Católica condenou o liberalismo econômico, as sociedades laicas e o catolicismo liberal.

A CRISE NO REINO DA ITÁLIA
Em 1870, havia terminado a Guerra do Paraguai e o Império do Brasil se tornara o líder entre os países da América do Sul e internamente algumas mudanças se mostravam, e alguns já se apercebiam, e não gostavam da dominação econômica que a Inglaterra impunha aos brasileiros. Lá, do outro lado do mar, o Reino da Itália caminhava, mas era somente uma parte do país que avançava, pois o resto, a grande parte de ‘la penisola’ que vivia basicamente da agricultura, permanecia quase que completamente parada e sofria as profundas crises da tardia industrialização italiana.
A Itália unificada vivia grandes problemas econômicos e de aglutinação populacional, e a grande crise econômica mundial de 1873/1874 se fez sentir de maneira muito forte na 'bota'. A produção de alimentos caiu vertiginosamente, e a entrada em operação dos novos e grandes navios a vapor que traziam da América grandes quantidades de cereais a preços muito mais baixos dos produzidos na Itália colocou de joelhos a agricultura italiana. O modelo liberal entrou em crise. Os camponeses foram expulsos da terra, o pequeno e informal artesanato quase desapareceu e a deficiente indústria italiana mostrou-se incapaz de absorver a despreparada mão de obra disponível. O novo estado italiano estava em crise, mas era necessário manter os privilégios de quem o criara e o apoiava.
'PELLAGRA'
A fome, a terrível fome, passou a ser uma constante entre grandes contingentes da população italiana, campesina e urbana e, comum se tornou a má nutrição, a subalimentação e a avitaminose, e tudo isso resultou no aparecimento da terrível ‘pellagra’ que é o mal da miséria. A doença é ocasionada pela carência de vitaminas no organismo humano e que em seus diferentes estágios patológicos acarreta diarréia, dermatite e finalmente a demência. Certo que naquela época não se sabia que a ‘pellagra’, o escorbuto e o beribéri eram provocados pelo suprimento insuficiente de certo alimentos e só bem mais tarde – no início do século XX - o pesquisador polonês Casimir Funk, que trabalhava em um instituto de medicina em Londres, publicou sua teoria segundo a qual algumas doenças eram ocasionadas por uma nutrição deficiente de alguns nutrientes aos quais ele chamou de vitamina (vita, ae + anime) e outro cientista, o americano Mac-Collun, da Universidade de Wisconsin, chamou de ‘A’ o nutriente solúvel em gordura, e de ‘B’ o solúvel em água, dando assim início à nomenclatura das vitaminas.
As carências vitamínicas provocadas pela falta de alimentos como a batata e o leite (B7) implica num importante aumento de doenças mentais. A falta de legumes verdes, frutas, manteiga, gorduras e leite (A, D e E) faz ocorrer o aparecimento de casos de oftalmia, anemia e raquitismo. Assim, o povo do norte da Itália, dos quais alguns deveriam vir povoar a serra gaúcha, era composto de gente doente, de doença crônica provocada pela fome. Era o mal da ‘pellagra’.

A EMIGRAÇÃO ITALIANA
Mas, naquele tempo da unificação, tinha-se a impressão de que o italiano não estava morrendo de fome, pois aquelas populações ingeriam bastante milho, cuja farinha era transformada em ‘polenta’, preparada quase sem sal e sem nenhum outro tempero sucessível de elevar seu teor de vitaminas, e somente muitos anos depois os pesquisadores descobriram que o processo de ebulição necessário para a transformação do milho em ‘polenta’ libera e destrói a fraca quantidade de vitamina da farinha produzida pelo milho.
A Itália tinha problemas em todos os setores, e a fome, o grande mal de qualquer povo, vinha grassando rapidamente, e era necessário que os dirigentes da 'bota’, que eram os donos do capital monopolista e financeiro, tomassem providências: o povo não podia, não devia morrer de fome; não lá na Itália. Em contrapartida a esses problemas vividos pela população do Reino Italiano, a América, aquele imenso continente praticamente vazio, inflama a fantasia de quase todos os pobres e de boa parte dos aventureiros, e a Itália está repleta de pobres e de aventureiros. Os famintos estão à procura de comida, e os aventureiros estão impacientes à procura de novas terras para suas aventuras e também - não sabem eles - para grandes desventuras.
A solução encontrada para resolver o problema famélico da Itália foi a emigração em grande escala, principalmente para a América e, em escala menor para a Austrália. O processo de expulsão dos excluídos italianos se tornou um processo econômico altamente rentável para o Estado, com a cobrança das despesas de locomoção dos emigrantes e, mais tarde, com a entrada no país de capitais vindo dos emigrantes que na América e na Austrália fizeram alguma fortuna.
O processo de emigração desenvolvido pela Itália fez com que grande número de bocas famintas deixassem a pátria para que o tardio capitalismo se instalasse e se adotasse uma política econômica de moldes liberal, já existente no resto da Europa industrializada.

OS PREPARATIVOS PARA O ÊXODO
O grande êxodo vai colher todos de surpresa, pois ninguém estava devidamente preparado para o grande movimento, pois nem o Governo, o Parlamento, a Igreja e os partidos políticos - ‘la Destra’ dos conservadores e ‘la Sinistra’ das reformas e das revoluções - haviam imaginado que o processo teria a dimensão que efetivamente teve. Mas não havia outra solução: iniciou-se o grande processo emigratório, e como queriam os poderosos, os ‘nullatenente’ não iriam morrer de fome na Itália.
Nesse momento surgiu então um tipo de agenciador de viagens, patrocinado pelo Estado ou pela Igreja, que iria induzir a que os italianos fossem para este ou aquele lugar, e muitos dos famintos embarcaram na expectativa de encontrar na América ‘il paese de la Cuccagna’, isto é, a terra da abundância, onde os pães e salames cresciam nos galhos das árvores, onde chovia grãos de trigo e onde nos rios, ao invés de água, corria leite em alguns e vinho em outros. 'La Cuccagna', era, no século XIII, o imaginário da fartura, da abundância, e se origina de um documento francês intitulado ‘Le Pays de Cocaigne’. Estes agenciadores eram também agentes dos países destinatários da massa de famintos, que muito enganaram e iludiram os italianos, contando-lhes sobre as maravilhosas riquezas e facilidades que encontrariam nas novas terras. Grandes enganadores, velhacos e mentirosos.
Havia necessidade de se organizar as viagens e lotar de forma mais completa possível os velhos navios, na sua maioria, antigos veleiros ainda remanescentes do grande comércio escravocrata, alguns modernizados com motores a vapor.
Estes barcos de precárias condições haveriam de levar o maior número possível de emigrantes, não importando em que condições eles viajassem. Os velhos barcos partiam principalmente dos portos de Gênova na Itália, Marselha e L`Havre na França, e viajavam completamente abarrotados conforme comprova carta de um emigrante que relatou, muito tempo depois, que ‘nós estávamos no porão e mesmo na coberta, como sardinhas num barril’ mas disso não sabiam aqueles outros que ainda estavam para embarcar para ‘il paese de la Cuccagna’.

TRANSPORTE DE CARGA HUMANA
Nos velhos e insalubres barcos transportadores de carga humana, sem controle algum das condições de saúde, sem controle do espaço disponível e sem qualquer previsão para a duração da viagem, a travessia era uma duríssima aventura que, por vezes, terminava em tragédia, de conhecimento somente de seus infelizes participantes. No navio ‘Carlo Raggio’, 34 passageiros e no ‘Matteo Bruzzo’ 18 infelizes morreram de fome. No Pará, 39 morreram de sarampo. No ‘Frisca’, em razão de um incrível e desumano amontoado de gente, 27 infelizes morreram asfixiados. Outro barco, com sua carga humana desapareceu, sem que nunca se soubesse como foi o trágico fim daquela gente.
Mas havia algumas poucas exceções: em alguns barcos, a comida servida na viagem, comparada com o que eles estavam acostumados, era até farta e de boa qualidade, composta de massa carne, legumes, frutas, leite e vinho. Os viajantes, todos alojados na terceira classe, faziam as refeições nos próprios e abarrotados dormitórios, nos corredores e nas pontes do navio.

TUTTI PICCOLINI
Os dormitórios, nos piores porões, eram abarrotados de beliches múltiplos. Duas ou mais crianças dormiam em um mesmo leito. Homens ficavam em um e mulheres em outro dormitório, todos muito baixos, úmidos, com pouca ventilação e terrivelmente fedorentos.
Havia pouco controle do tipo de gente que embarcava, mas uma coisa pode-se afirmar com certeza: os emigrantes italianos, em sua grande maioria eram de baixa estatura, ‘tutti piccolini’, Tal assertiva decorre de uma estatística do exército italiano que demonstra que entre 1862 a 1865, quarenta por cento dos jovens que se apresentavam para o serviço militar eram dispensados porque media menos de 1,56m, e os médicos militares atribuíam o deficiente crescimento em razão de um também deficiente aleitamento nos primeiros meses de vida e por uma subalimentação no decorrer da infância e adolescência. Também notaram os médicos que bastava um ano de incorporação para que o recruta, agora bem alimentado, tivesse um aumento significativo de peso e altura. Era um dos terríveis efeitos da 'pellagra'.
Partir para a América era o desejo de quase todo o italiano, e a idéia primeira era ir para a Argentina que oferecia as terras sem custo algum, ao contrário de parte dos EUA e do Brasil onde a terra era vendida. Mas, não importava o destino: eles queriam fugir da Itália, da miséria, da fome e da ‘pellagra’.

ELES CANTAVAM...
Aqueles que foram para o mar e aqui conseguiram chegar, entoavam bela canção, ainda hoje cantada por seus descendentes, cujos versos são uma apertada síntese daquilo que eles sentiam e do que esperavam da nova terra:

‘D’ Italia noi siamo partiti
(Da Itália nós partimos)
Siamo partiti co lo nostro onore
(Partimos com nossa honra)
Trinta e sei giorni de maquina e vapore
(Trinta e seis dias de máquina à vapor)
E nel`Mèrica noi siamo arrivà
(E na América nós chegamos)
Mèrica, Mèrica, Mérica
(América, América, América)
Cosa sara la sta Mèrica
(Como será esta América)
Mèrica, Mèrica, Mèrica
(América, América, América)
L'è un bel massolini de fior
(É um belo ramalhete de flores)
L'Mèrica l'`e lunga e l'`e larga
(América é longe e é grande)
L'`e formata de monti e de piani
(Ela tem montanhas e planícies)
E com líndustria dei nostri italiani
(E com o trabalho de nossos italianos)
Abian fondato paesi e cita’
(Eles vão criar vilas e cidades)

Eles cantavam 'L`Mèrica'; eles cantavam a alegria de encontrar uma nova terra; cantavam a esperança, mas eles estavam se despedindo para sempre daquela gente que os haviam feito passar fome e medo, e então com raiva eles também cantavam:

‘Noi, italiani lavoratori,
(Nós italianos trabalhadores,)
Alegri andiamo nel Brasile
(Alegres partimos para o Brasil,)
E voialtri, d`Italia signori
(E vocês donos da Itália)
Lavoratevelo il vostro badile’
(Trabalharão com a vossa enxada)

Adeus Itália. Adeus fome, medo, dor. Adeus donos de terra e de gente. Adeus gente nossa. Nós não vamos mais morrer de ‘pellagra’, vamos morrer sim, mas nunca mais de fome. Fome, nunca mais.

OS ITALIANOS ESTÃO CHEGANDO
Os barcos repletos de almas esperançosas fazem a penosa travessia do grande mar, mas muitos italianos, de todas as idades, não iriam chegar, não iriam conseguir suportar a dureza da viagem, e para estes infelizes a terra da promissão seria o fundo do mar. Mas, os que aqui aportaram, mesmo com um futuro de muitas dúvidas e incertezas, já se consideravam outras pessoas, e eles até já se atreviam a esquecer a fome e a miséria, esquecer a dura luta pela sobrevivência esquecer as perseguições políticas, o medo da conscrição militar impositiva e também esquecer alguns filhos bastardos, como o caso do calabrês Rocco, ou uma esposa velha e rabugenta, mas que depois por aqui apareceu e recapturou o elegante Randazzo, ou também uma indesejada batina havida por imposição paterna, como foi o caso de Giuseppe 'Peppino' que antes de dar um chute na preta veste, lá no Sul da Província, serviu como pároco em Santa Isabel do Taim, nos anos de 1890/93.
Os italianos que haviam optado pelo Brasil começaram a chegar e foram distribuídos primeiramente na região sudeste, onde se incorporaram nas fazendas de café e de cana de açúcar de São Paulo e Espírito Santo, e esta mão de obra imigrada substituiu a servil de origem africana, pois que, no terceiro quartel do século dezenove, a escravidão já não mais interessava aos donos das terras, o sistema não tinha mais sustentação, e o processo de abolição da escravatura era irreversível. Os loiros imigrantes, com muitas vantagens, vinham substituir os escravos negros que durante quase 400 anos haviam sustentado a economia brasileira.

A SERRA GAÚCHA
Mas nem todos os imigrantes italianos deveriam ficar no sudeste brasileiro para substituir os escravos. Boa parte deles haveriam de seguir viagem em direção ao quase desconhecido sul, para povoarem as terras devolutas na serra da Província de São Pedro do Rio Grande, pois as terras junto aos bons rios e no litoral já haviam sido ocupadas pelos imigrantes lusos que haviam chegado bem antes, e pelos alemães que chegaram ao sul a partir de 1824 e se instalaram por primeiro na fazenda do linho cânhamo, que havia sido abandonada pelos lusos, e lá, no dia 25 de julho de 1824, às margens do Rio dos Sinos fundaram São Leopoldo.
Havia necessidade de se preparar a colonização daquela vasta área de terras serranas que se estendia dos Campos de Cima da Serra até o sopé dos montes dos campos de São João de Montenegro, local cortado pelos rios Taquari e Antas. E foi assim que o Governo Imperial, por ato de 9 de fevereiro de 1870, autorizou o governo provincial a demarcar aquelas terras devolutas.
O Governo Imperial contratou com as empresas Holzweissig & Cia e Caetano Pinto & Irmão a colocação de dois mil colonos por ano, pena de pagarem as contratadas 10.000$ réis por colono que faltasse, devendo aqueles que imigrassem comprovar boa conduta política e moral, miserabilidade e também, como regra geral, deveriam ser casados, com filhos, jovens e saudáveis. O governo queria assim garantir que estes que para aqui viessem aqui permanecessem. A idéia era evitar a chegada dos aventureiros e outros mais que pensassem mais em explorar do que colonizar as terras da serra gaúcha. Mas estas condições nem sempre foram observadas.

UM PEDAÇO DA ITÁLIA NA SERRA GAÚCHA
O governo provincial encarregou Luiz Antônio Feijó Júnior - que é nome de uma rua em Caxias do Sul - para vistoriar a região que receberia os italianos, para fazer um levantamento da flora e da fauna e das potencialidades das terras, principalmente para o cultivo de trigo e milho. Pouco depois, as terras foram demarcadas, e tudo ficou pronto para a chegada dos primeiro imigrantes.
Este Rio Grande do Sul, encontrado pelos italianos, era bem diferente daquele que em 1824 recepcionou os alemães. Já não existiam somente os cinco primeiro municípios - Porto Alegre, Rio Grande, Santo Antônio da Patrulha, Rio Pardo e São João da Cachoeira - agora eram 28 municípios.
Na Província, ferrovia já era uma realidade, existia uma rede telegráfica, um sistema bancário organizado, e a navegação fluvial a vapor encontrava-se bastante desenvolvida. Todas estas modernidades facilitavam em muito o desenvolvimento da Província, cuja economia, entretanto, ainda estava centrada na pecuária, notadamente na indústria do charque e do couro.
Os imigrantes italianos que aportaram a serra gaúcha vieram principalmente de uma região chamada de Vêneto, onde a crise era maior. Eles eram oriundos das províncias de Vicenza, Treviso e Verona. Vieram também de Cremona e Mântua e parte da Brescia, regiões essas próximas do Vêneto, e do Bergamo, província no sopé dos Alpes. A região do Trento, na área de Trentino Alto Ágide, que somente após a Primeira Guerra seria incorporada à Itália e de Friuli Venécia Julia também forneceram boa massa de emigrantes para o Brasil. Muitos vieram do Südtirol, os mais loiros e de olhos azuis, mais germânicos do que itálicos, e quando aqui chegavam, eram identificados não como italianos, mas sim como tiroleses.
Num cálculo aproximado pode-se dizer que do total de italianos que chegaram à Província, 54% eram de vênetos, 33% de lombardos, 7% de trentinos, 4,5% de friulinos 1,5% de outras regiões. Os números nunca precisos da imigração estimam que entre 1875 a 1914, entrou no Rio Grande do Sul um número de italianos que pode variar de 80 a 100 mil.

OS NORDESTINOS ESTÃO MORRENDO
Por falar na entrada no Rio Grande desse bom número de pessoas famintas - não devemos esquecer - nesse mesmo ano de 1875, outro grande contingente de famintos se reunia - não no Norte da Itália - mas sim aqui no Brasil, onde o Nordeste do país fornecia uma massa de refugiados da seca, dos quais um número aproximado de 50.000 morreram somente no Ceará e vizinhanças, mas o governo imperial de Pedro II não se preocupou em mandar para o Sul estes desesperados nordestinos. É bem provável que o Imperador entendesse que não seriam suficientemente brancos os famintos nordestinos e, bem parece, o grande objetivo de Pedro II era “branquear” a raça brasileira.
Como antes já haviam decidido as elites italianas, também aqui no Brasil, as imperiais elites se preocupavam em não deixar todos os nordestinos morrer no bom e saudável Nordeste que – para espanto de muitos - somente tinha problemas com a fome em épocas de grandes estiagens. Os donos do poder mandaram boa parte dos famintos nordestinos morrer no inóspito e insalubre vale amazônico.
Assim, enquanto a emigração realizada pelo governo italiano era, de certo modo, organizada, aqui no Brasil, a migração interna dos flagelados nordestinos para a Amazônia foi espetacularmente absurda, quando eles eram enviados principalmente para o Acre - que ainda era um território pertencente à Bolívia, mas dominado por seringueiros brasileiros - sem qualquer tipo de planejamento, e entregues ao flagelo do beribéri e da malária. Eles não morriam mais de sede e de fome no Nordeste; agora eles morriam de doenças tropicais na Amazônia que se transformou num gigantesco cemitério de nordestinos, não só pela incúria com que as autoridades trataram aquela pobre gente, mas também porque o migrado não fez qualquer esforço para se adaptar àquela terra úmida e quente, viveiro ideal para a proliferação dos mortíferos germes. Os nordestinos, por falta de uma melhor cultura, e de melhores informações que lhes deveriam prestar as autoridades, mantiveram os mesmos hábitos, a mesma alimentação e o mesmo vestuário. A terra e o homem não se aproximaram nem se entenderam reciprocamente, ao contrário do que ocorreu no Sul, onde o italiano entendeu e se adaptou à nova, diferente e bravia terra, tanto que já no primeiro inverno, eles conheceram o pinhão, que foi incorporado à alimentação de subsistência.

OS VÊNETOS CHEGAM À SERRA GAÚCHA
Os recém chegados italianos que, ao contrário dos alemães que foram envolvidos na Guerra dos Farrapos, encontraram a Província de São Pedro em boa paz, pois a Guerra do Paraguai havia terminado há pouco tempo e as lutas no Prata eram apenas distantes recordações. Os italianos que aqui chegaram a partir de 1875, somente no futuro vão se envolver em movimentos de lutas de irmãos, na Revolução Federalista de 1893, e nas revoluções de 1923 e de 1930, mas isso pertenceria ao futuro.
Estes imigrantes que chegaram à encosta superior da serra do nordeste gaúcho eram, em sua grande maioria, procedentes do Vêneto, região do norte da Itália - os do sul, principalmente calabreses, chegaram no final do século IXX e início do XX - e aportaram ao Brasil pelos portos de Santos ou Rio de Janeiro, e aqui no Sul através do porto de Rio Grande, e depois, com navios menores, via Lagoa dos Patos, chegavam a Porto Alegre. Da capital da Província, em barcos ainda menores, eles seguiam para os portos fluviais de Montenegro, aqueles que se destinavam às colônias de Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Conde D' Eu (Garibaldi), e os que estavam sendo enviados à Colônia Caxias desembarcavam no porto de São Sebastião do Caí.

OS ALEMÃES RECEPCIONAM OS ITALIANOS
Os italianos (lombardos, vênetos, trentinos) e tiroleses - os do Tirol eram mais austríacos que italianos - começam a chegar ao 'Campo dos Bugres' para povoar 'os fundos de Nova Palmira' no início de 1875. A partir de São Sebastião do Cai, onde eles haviam chegado de Porto Alegre, via fluvial, até o Porto dos Guimarães, e seguiam pela estrada que vai à Picada dos Boêmios, passando por Feliz, Morro das Batatas e Alto Feliz. Um pouco além da Picada dos Boêmios, local habitado por imigrantes alemães vindos da Boêmia, os italianos eram alojados num barracão, local que eles batizaram de ‘barraccone’, depois Nova Milano, notando-se que eles não tiveram grandes dificuldades de locomoção, pois que até o local habitado pelos boêmios já, naquela época, existia uma picada que cortava a mata, não havendo mais animais ferozes nem os temidos índios.
Sem muita certeza, parece que em 20 de maio de 1875, chegaram ao local que depois seria chamado de Nova Milano, as três primeiras famílias de imigrantes que se instalaram na Colônia dos Fundos de Nova Palmira, como Caxias se chamou por primeiro. Eram as famílias de Stefano Crippa, Luigi Sperafico e Tommaso Radaelli.
Como o meu paciente leitor pode depreender os italianos que demandaram à Colônia Caxias naquele início de 1875 - há quem diga que eles chegaram em 1874 - não tiveram necessidades de vencer obstáculos de grande monta, nem lutar contra animais e índios ferozes, conforme asseguram alguns cronistas, pois o caminho, mesmo que precário, até Barracão, já estava habitado pelos alemães que prestaram toda a sorte de auxílio aos italianos.
Os germânicos povoaram a Picada do Boêmios a partir da metade do ano de 1872, e lá se estabeleceram os Lorenz, Dreheler, Kandler, Dittrich, Hildebrand, Fel, Hubner e outros mais que bem recepcionaram os italianos. Assim, quando chegou Rodolfo Felix Laner, tido como o primeiro italiano a chegar ao ‘Campo dos Bugres’, o caminho até Nova Milano já estava habitado por loiros ‘tedeschi’.

GARIBALDI NA PICADA DAS ANTAS
O local de destino destes imigrantes italianos era anteriormente chamado de 'Campos do Bugres', denominação dada por Antônio Machado de Souza, que encontrou vestígios- índios não - de acampamento de índios no local onde hoje é Caxias do Sul, isto em 1864, quando saiu de Montenegro e foi até São Francisco de Paula dos Campos de Cima da Serra, e este local, depois reservado para os italianos, ficava, aproximadamente, a meio caminho entre aquelas duas vilas. O desbravador Antônio Machado de Souza demorou 51 dias para fazer por primeiro o percurso de ida e volta, e comprovou sua estada nos Campos de Cima da Serra levando para Montenegro diversos produtos, dentre os quais o apreciado queijo serrano só existente naquela região de campos.
Bem antes, esta região da serra gaúcha já havia sido visitada por Giuseppe Garibaldi, que empreendeu uma marcha com seus homens, visando levantar o cerco imperial sobre as tropas do general Bento Gonçalves – que, é bom não esquecer, também é da Silva - aquartelado em Viamão, isso em 1840, porém nada tendo o italiano revolucionário registrado naquela época, e só em suas memórias, Garibaldi dedica um capítulo especial a essa manobra militar, no local que ele denomina de 'Picada das Antas', região que se inicia nos vales dos rios Caí e Taquari, para findar nos altiplanos dos campos de Vacaria e São Francisco de Paula. Segundo o relato feito pelo general italiano, tudo ocorreu na estação das chuvas - o inverno - e uma grande enchente fez bloquear a marcha da tropa pela 'temível floresta das Antas'. Na passagem por aquela região inóspita e desconhecida, mulheres, crianças e os feridos foram ficando pelo caminho, enquanto as montarias e animais de carga eram abatidos para alimentar a tropa.
O General que ajudou a unificar a Itália, bem provavelmente não poderia imaginar que alguns poucos anos depois, patrícios seus, por muitas razões expulsos da pátria - dentre elas a unificação - iriam desbravar e povoar essa terra que tantos sofrimentos infringira a seus comandados.

AS QUATRO COLÔNIAS

Até fins de 1875, Nova Milano ficou sendo a sede da Colônia, passando depois para a Quinta Légua, isso por iniciativa do Diretor de Terras Luiz Antônio Feijó Junior - um grande latifundiário - chamado 'o visionário' pois percebeu que Nova Milano ficava na extremidade sul das terras a serem colonizadas, e o melhor seria um local mais ao centro da região. Não fosse essa atitude de Feijó Junior, talvez Caxias do Sul não existisse onde hoje a encontramos. Nada acontece por acaso.
Em 11 de abril de 1877, por comunicação de João Dias de Castro, Vice-Presidente da Província, é que a região dos 'fundos de Nova Palmira' oficialmente recebe o nome de Colônia Caxias. Era a terceira colônia da serra povoada por imigrantes italianos. As outras duas eram Dona Isabel – homenagem à Princesa Isabel - atual Bento Gonçalves - e Conde D'Eu  - hoje Garibaldi. Não devemos nos esquecer que Dona Isabel era a Princesa, filha de Dom Pedro II - a que assinou a Lei da Abolição da Escravatura - e o Conde, era o francês, seu marido.
Silveira Martins - a quarta colônia - mais tarde é organizada na região de Santa Maria, no centro da Província., e seu nome é uma homenagem a Gaspar Silveira Martins que no final do período imperial fora Presidente (entenda-se governador) da Província (entenda-se, também, Estado), fundador do Partido Federalista e um dos chefes da Revolução Federalista de 1893, que ficou conhecida como “a revolução dos degolados”. Nessa guerra entre irmãos, os federalistas eram conhecidos por “maragatos”, e usavam um lenço vermelho no pescoço.

A SEDE DANTE
Transferida de Nova Milano, a sede da Colônia ficou na Quinta Légua, onde a Diretoria de Terras e Colonização, sob o comando do Major Augusto de Miranda e de Hermínio D'Ávila instalou a barraca-escritório, o almoxarifado, o barracão e o cemitério. A esta sede da Colônia foi dado o nome de 'Sede Dante', não se sabendo ao certo o porquê do nome. Seguramente não seria uma homenagem ao poeta Dante Alighieri, pois que os imigrantes em sua maioria eram analfabetos e os da Diretoria de Terras por certo não iriam querer homenagear aquele poeta estrangeiro. Mais tarde, Caxias presta sua homenagem ao poeta planetário, e dá seu nome à principal praça da cidade. Bem mais adiante ainda, em razão dos desatinos de Adolfo e de Benito – os namorados de Eva e da Petrachi – a pena do poeta é retirada da praça e, em seu lugar é colocada a espada do guerreiro Duque de Caxias, de nome Luiz Alves de Lima e Silva, mas que em alguns registros vem nominado sem o Silva.
Os imigrantes, distribuídos em suas colônias iniciam o trabalho de derrubada da mata, para dar lugar às áreas de plantação e de habitação, enquanto na Sede Dante vão se instalando os funcionários da Coroa e alguns outros imigrantes que preferem a sede aos lotes de colônia, dedicando-se estes últimos ao comércio e às manufaturas. A Sede Dante, mesmo que em local bem acidentado, recebeu um traçado urbano em forma de tabuleiro de xadrez, não descuidando seus fundadores em reservar espaço destinado para as praças.

O PADRE ESTAVA BÊBADO

Os funcionários públicos, brasileiros com nomes lusos e alguns franceses, administram a Colônia Caxias, enquanto os imigrantes vão aumentando as áreas destinadas às plantações, o que vai acarretar um excedente na produção de alimentos que são comercializados na Sede Dante e exportados para os Campos de Cima da Serra que, de sua vez, mandava para Caxias os seus próprios excedentes de alimentos, notadamente o charque e o apreciado queijo serrano.
Os que chegaram a Serra Gaúcha no início de 1875 eram, praticamente todos, católicos praticantes, mas, como já sabemos, por ter sido a emigração muito mal conduzida pela aristocracia italiana, os emigrados não tiveram acompanhamento religioso em sua aventura ultramarina, ao contrário dos emigrantes alemães que vieram para a América no mais das vezes, já acompanhados pelos 'pfarrer', que além de aplicar os ensinamentos de Deus, também foram os primeiros professores, ministrando as aulas no idioma germânico.
Nesse tempo, na Província de São Pedro, a Igreja Católica tinha somente quatro dioceses - Uruguaiana, Santa Maria, Pelotas e Porto Alegre - e a Colônia Caxias pertencia à Paróquia de São José do Hortêncio, no Caí, da Diocese da Capital, e o primeiro capelão a oficiar na nova Colônia foi o padre Antonio Passaggi da ordem alemã dos Palotinos, que foi nomeado em 19 de maio de 1877. Padre Passaggi veio das Antilhas e foi agregado à imigração no Rio de Janeiro.
Chegando à Colônia Caxias, o Padre Passaggi oficiava em uma pequena cabana feita de taquaras, nas proximidades do cemitério, no local onde hoje é a quadra formada pelas ruas Moreira César e Garibaldi, entre as ruas Pinheiro Machado e Bento Gonçalves, e depois serviu de igreja uma pequena casa localizada onde hoje é a esquina da Avenida Júlio de Castilhos com a rua Garibaldi.
Padre Passaggi ficou pouco tempo na Colônia, isso em razão 'de suas fraquezas pela bebida', tanto que, numa ocasião, 'num delírio etílico' como elegantemente disse o historiador Padre Ernesto Brandalise, ou numa 'bruta sbòrnia como se dizia na época, alguns paroquianos lhe aplicaram uma boa peça, e ele celebrou um casamento entre dois homens, um deles transvestido de mulher.

UM CALABRÊS VIGARISTA

A Colônia volta a ficar desassistida, e os serviços religiosos ficam confiados ao padre Carlos Blees de São José do Hortêncio e ao Padre Bartolomeu Tiecher da Feliz, que aqui estiveram em janeiro de 1878, novembro de 1879 e dezembro de 1880.
A falta de assistência religiosa, além de deixar ao desamparo as almas dos italianos, também fazia com que os espertalhões se aproveitassem da situação, como ocorreu numa ocasião em que chegou à Colônia um bem falante padre italiano, não se sabe surgido de onde, e que começou a pregar. Este padre, que a história não conseguiu preservar o nome, de pronto se tornou querido dos imigrantes. Certo dia o padre comunicou que fora chamado pelo Bispo e deveria ir à Porto Alegre, provavelmente para receber instruções para a instalação da Paróquia.
Antes de se despedir de seus paroquianos, o padre sugeriu que todos os que tivessem relógio - não eram muitos, é certo - a ele os entregassem para que ele, indo a Porto Alegre, levasse a um relojoeiro para uma boa limpeza. O padre foi e levou as poucas riquezas dos italianos, e jamais voltou à Colônia. Tempos depois souberam os caxienses que aquele padre era um calabrês, refinado vigarista, fugido de Buenos Aires, e que se especializara em se fazer passar por padre. Os enganados imigrantes resolveram esquecer o assunto, e por muitos anos não falaram mais em relógio.

ADAPTAÇÕES À NOVA TERRA

A Colônia Caxias crescia e os imigrantes italianos passaram a formar um grupo de constantes adaptações, não só em relação à área ocupada, totalmente diferente daquelas terras de suas origens, como também entre eles passou a ocorrer uma permuta de experiências no trabalho com a terra, com a madeira, com os metais, com as construções e, principalmente, nos hábitos alimentares, onde os lombardos deram ao novo grupo em formação o seu 'agnolini' e o 'risotto'; a 'polenta' é popularizada pelos naturais do Vêneto, enquanto os tiroleses apresentavam uma culinária mais alemã do que italiana, à base de carne de porco e ‘capusso’.
Estas trocas ocorreram com mais intensidade com o casamento de jovens de grupos distintos, quando os homens passavam aos outros as suas formas de laser, notadamente os jogos da 'mora', feito com as mãos, onde os jogadores tinham que informar o número de dedos batidos violenta e ruidosamente na mesa, ou no 'quatrilho' jogo de cartas onde há uma constante troca de parceiros. Em 26 janeiro 1897 o intendente José Cândido de Campos Júnior proibiu o jogo da ’mora’ em razão das constantes brigas e atos criminosos dele decorrentes.
As mulheres faziam suas trocas em área mais limitada a elas, onde o trato das coisas da casa e dos filhos era o ponto em que misturavam as coisas trazidas das terras européias.

O MANÁ VEM DO PINHEIRO
Quando os emigrantes chegavam, eles recebiam utensílios para a derrubada da mata e para a plantação, como também recebiam auxílio alimentar, suficiente para que atingissem a primeira colheita o que, em regra, não durava mais que dezoito meses.
Os outrora famintos imigrantes já não mais iriam dormir com um ronco na barriga, mesmo que nos primeiros meses não houvesse abundância de alimentos. Eles tinham o suficiente e, aos poucos, e ao tempo em que iam se adaptando à nova terra, iam descobrindo alimentos que jamais poderiam imaginar que existissem.
O primeiro e fantástico alimento descoberto pelos imigrantes caiu-lhe sobre as cabeças como um maná enviado por Deus. Era o pinhão debulhado das pinhas naquele inverno de 1875, que caiu em abundância. Primeiro, como forma de experimentação, eles o comeram cru, da mesma forma que os bugios, as pacas e as gralhas faziam. Depois, nova experiência, o pinhão foi assado na brasa e, mais adiante, cozido na água, o que melhorou em muito o sabor do abundante alimento. Na ausência do trigo, eles fizeram farinha do pinhão, e em fornos de barro assaram deliciosos pães.

A POUPANÇA
Outros produtos da terra foram logo assimilados e suas culturas trouxeram boas e rápidas safras de batata, feijão, mandioca, amendoim, abóbora, tomate, pimentão e outras mais.
A proteína animal, de que os imigrantes eram tão carecedores, veio inicialmente com os ovos da galinha, depois com ela própria e, um pouco depois, quando as vacas passaram a produzir leite, com a produção de manteiga e algum queijo. Adiante ainda, quando conseguiram engordar os porcos, ai sim eles bem complementaram uma boa alimentação, a cuja culinária é agregada a saborosa banha e a carne defumada que vai conservar o alimento por muitos meses.
Naquelas matas, verdadeiras florestas de pinheiros cortadas por inúmeros córregos, os imigrantes pescaram e aprenderam a caçar saborosos mamíferos como a paca, e se especializaram na captura de pequenos pássaros que eram assados em grandes quantidades e comidos com polenta. A essa iguaria feita com qualquer tipo de passarinhos, que são assados no forno com alguns temperos e boa quantidade de toucinho, eles deram o nome de ‘oselada’ – passarinhada -  manjar esse que foi rareando até quase desaparecer por completo à medida que a floresta foi cedendo espaços para a cidade.
Agora, aqui nessa terra generosa, fome e ‘pellagra’ eram coisas de um passado distante que ficara bem para além do Grande Mar. Mas esse dono da terra serrana logo entendeu que para manter a barriga sem ronqueira era necessário que ele não desperdiçasse nada e economizasse o máximo possível os produtos da terra, para que nunca faltasse o que comer. O hábito de poupar aparece no momento em que o imigrante deixou de passar fome, e a poupança – por vezes um pouco exagerada - foi uma das mais fortes características do caxiense.

VILA CAXIAS
Caxias foi emancipada do estado de Colônia da Coroa Imperial Brasileira, para 5º Distrito de Paz do Município de São Sebastião do Caí em 12 de abril de 1884. Passados quase dez anos da chegada dos primeiros italianos, a Colônia Caxias tinha uma população de 10.500 habitantes, na sua maioria homens, e eram jovens estes moradores, sendo que quase a metade deles estava na faixa etária dos dez aos vinte anos, Dois terços dos habitantes da Colônia eram  analfabetos.
Em 30 de outubro de 1886 a Câmara Municipal da Vila de São Sebastião do Caí estabeleceu um Código de Posturas para a Freguesia de Santa Teresa de Caxias e nomeou João Muratore como seu primeiro administrador distrital, cargo sem muita importância, já que os administradores da Colônia Caxias, todos funcionários públicos da Província e do Império, não permitiam aos italianos qualquer tipo de ingerência na administração, e somente em 28 de junho de 1890 foi que os italianos conseguiram postos na Intendência, quando então os administradores passaram a ser imigrantes ou seus filhos. Nessa data o Presidente do Estado nomeou a primeira junta governativa de Caxias, composta pelos italianos Angelo Chitolina, Ernesto Marsiaj e Salvador Sartori. Santa Tereza de Caxias estava emancipada; não pertencia mais à Vila de São Sebastião do Caí.
Mesmo já tendo a vila uma junta governativa, o poder da Província era grande e exemplo disso é o 'Acto' nº 551, de 19 de novembro de 1890 que mandou aditar o código de posturas, para determinar - com a grafia da época - que “é prohibido queimar foguetes, pistolões, ou atirar bombas no recinto da vila”. Em caso de desobediência da norma, “o infrator será multado em 20$00’”.

A ECONOMIA
Caxias, de origem campesina, estava se tornando um centro comercial, e depois, para surpresa geral, decidiu que não teria uma economia calcada somente na agricultura e no comércio. A vila, com gente nova vindo de todos os lados, em parte esqueceu a tradição italiana, e agora, já um pouco cosmopolita, se tornou um centro industrial, sendo importante para essa transformação o acúmulo de capitais que a agricultura e, principalmente o comércio, haviam permitido à gente da terra. A indústria que com o passar dos anos iria se tornar forte é produto da poupança daquela gente, não tendo, pois a cidade se formado em razão da crescente industrialização.
Os capitais acumulados na Colônia Caxias não provêm de outra força que não a das relações de trabalho, da produção e da árdua labuta que geraram bens, mas que não puderam esses trabalhadores usufruir tudo quanto seu labor produziu, pois que ao tempo que deixaram de produzir apenas para o consumo familiar, vão produzir excedentes agrícolas que vão formar os capitais do comércio, possibilitando através dessa acumulação ingressos substanciais às iniciantes atividades industriais, primeiramente na vinicultura e, depois na indústria madeireira e metalurgia.

A CIDADE
Logo após a virada do século, em 10 de junho de 1910, o trem chega e liga Porto Alegre à Vila Caxias e, naquele mesmo dia, em razão do grande movimento comercial e industrial, e por estar a vila com 'população superior a trinta e duas mil almas", através do Decreto Estadual no. 1.607, 'fica elevada à categoria de cidade a vila de Caxias'. Não esquecer que a cidade chama-se somente Caxias, sem o diferenciador do Sul. Ainda em 1910 é instalado o primeiro hospital, e em 12 de agosto de 1913 um grupo de senhoras funda o Pio Sodalício das Damas de Caridade, com o objetivo de além de difundir a fé católica, socorrer os doentes. Tempos depois, fruto do trabalho desse Sodalício é comprado, na rua Julio de Castilhos o ‘Palacete Rosa’ e mais três casas contíguas e em 24 de junho de 1920 é inaugurado o Hospital Paroquial Nossa Senhora de Pompéia. Depois do trem – que transporta passageiros, cargas e incrementa a comunicação postal - a modernidade maior chega em 1913, em 13 de maio, com a iluminação pública, graças a um empreendimento do Banco da Província. Em seguida vem a telefonia municipal.
Durante a Grande Guerra de 1914/1918, as importações de máquinas e ferramentas ficam praticamente interrompidas, e a engenhosidade dos imigrados e de seus filhos se faz presente, quando eles passam a produzir parte daquilo que não podia vir da Europa conflagrada pela guerra. A guerra européia colocou o Brasil e a Itália em campos opostos, e para os imigrantes que até 1914 ainda chegavam à região, a convivência com os luso-brasileiros não foi das melhores, mesmo que muitos italianos já tivessem se naturalizado e tivessem filhos e netos nascidos no Brasil. Com a guerra em andamento, o Club (sem o ‘e’ final) Juvenil organizou e realizou em sua sede na esquina das ruas Visconde de Pelotas e Andrade Pinto (atual Os Dezoito do Forte), uma exposição agro-industrial, dando ênfase especial às uvas que ajudavam a impulsionar a economia
 Em fins de outubro de 1918, a endemia conhecida no Brasil como ‘febre espanhola’ vitimou aproximadamente 150 pessoas, na sua grande maioria jovens de menos de vinte anos. O registro da Paróquia informa que ‘umas morreram repentinamente, sem sacramentos’.
Tudo se moderniza, e a Igreja Católica já não é a única a pregar a palavra de Cristo, tanto que o Livro Tombo da Paróquia de Santa Teresa anota que em 1920 ‘houve uma forte penetração protestante’. Efetivamente, a Igreja Metodista se instala e Caxias em 1922, num prédio de madeira na Rua Júlio de Castilhos, proximidades de São Pelegrino. Os metodistas criam uma escola mista, e Zula Terry, que era 'quatro vezes doutora’, veio dos Estados Unidos para lecionar na pujante cidade. Miss Terry, pouco tempo depois foi transferida para Passo Fundo. Os alunos foram escasseando e, pressionada, a escola não católica fechou. Talvez prevendo uma nova investida dos protestantes, em 1923 a Paróquia mandou construir diversas escolas, em terrenos comprados em diversos pontos da cidade. A freqüência diária chegava a quase seiscentos alunos. Estas escolas paroquiais foram fechadas em 1934.

CINQÜENTA ANOS DE BRASIL

Em 1925 Caxias – que ainda não era ‘do Sul’ - comemora meio século de existência, e já é conhecida como um rico centro agrícola e industrial do Brasil. O imigrante já velho vê brasileiros, seus filhos e netos, produzindo e construindo mais progresso, e um daqueles velhos falou pela pena do poeta Olmiro de Azevedo, que havia adotado a cidade como se fosse a sua natal, e o bom vate deixou o italiano lembrar:

'Um dia - estava velho - olhou em torno:
Tudo clareira - o pinhal morto!
Havia no céu tanta bondade...
Nascera perto uma cidade
Da gestação de meio século ...
Pensou, então, no que deixara,
Num dia brumal de céu nevoento:
- A casa pobre, velhos amigos, uma dor distante...
A terra mãe...
Mas era tão boa a terra amante,
Que valeu bem o esquecimento'.

A NOVA CAXIAS
Rumo ao outro meio século tudo foi bem mais fácil e bem mais rápido. Caxias deixa definitivamente de ser somente européia, e inúmeras etnias vão por aqui aportando, e dentre elas os negros e mulatos, que já haviam aqui chegado com a construção da ferrovia, inaugurada em 1910. Depois, vieram muitos outros, que foram chegando dos Campos de Cima da Serra e vieram dar sua força de trabalho ao pólo industrial que estava se formando. Em 1927, em razão do crescimento da cidade, foi transferido de Pelotas para Caxias o Nono Batalhão de Caçadores, e os praças, sargentos e oficiais do cheio de charme 9º BC fizeram a felicidade das moças da cidade.
Em 1930, ano em que o Brasil foi sacudido pela Revolução que Luiz Carlos Prestes não quis chefiar, mas que Getúlio Vargas aceitou, venceu e deixou que a gauchada amarrasse seus cavalos no obelisco da cidade do Rio de Janeiro, é nesse ano significativo que é inaugurada a Escola Complementar Duque de Caxias, depois transformada em Escola Estadual Cristóvão de Mendoza.


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